Tuesday, September 13, 2005

Celebridade

Aconteceu quando tinha 18 anos. Adorava discutir, discordar, argumentar, participar de masturbações mentais, orgias intelectuais e pseudo-intelectuais... e então um dia, durante uma discussão, teve uma cãimbra na língua. Médicos das mais variadas especialidades o examinaram (dentistas, otorrinolaringologistas, cirurgiões plásticos, dermatologistas, ginecologistas!), porém nenhum deles soube dizer o porquê da cãimbra não passar. O fato é que, a partir deste dia, ele passou a andar com sua língua, rija, para fora da boca.
No começo até que foi divertido: comprou uma garrafinha "squeeze" último tipo, cromada e emborrachada para manter a língua úmida, havia uma fila de garotas querendo descobrir "novas sensações", ele virou um cara bastante popular, embora fosse impossível entender o que dizia. Logo foi chamado para entrevistas na TV e em emissoras de rádio. Paparazzis o perseguiam atrás de uma foto que mostrasse a língua em toda a sua exuberância. A vida não podia ser melhor. Isso no primeiro mês.
Após 2 anos, estava visivelmente estafado e deprimido. Achava que seria temporário, mas não. Não tinha sossego. Havia sempre pelo menos 3 fotógrafos em frente à sua casa. Impossível argumentar, eles não entendiam o que dizia mesmo. Já havia trocado o número do telefone tantas vezes que já nem sabia mais qual era. Mas as pessoas continuavam a ligar só para ouvi-lo tentar balbuciar um "alô". As garotas desapareceram, pois correu o boato de que sua língua "não era assim tão rija". Duas vezes invadiram a sua casa, e duas vezes ligou para a polícia: da primeira vez, a atendente achou se tratar de um trote, "e extremamente sem criatividade". Da segunda, um atendente o reconheceu e o colocou no "viva-voz" para que todos os colegas ouvissem seus conhecidos irreconhecíveis murmúrios. Não aguentava mais aquela vida.
E então decidiu.
Comprou um capacete, destes de engenheiro de obras, e numa noite particularmente deprimente, depois de ter desperdiçado quase meia garrafa de whisky pelos cantos da boca, vestiu o capacete e arremeteu contra a parede mais próxima, decepando com os dentes a tão afamada língua.
Sentou no chão, e enquanto o sangue transbordava, chorou de felicidade. Não porque seria deixado em paz. Isto ainda demoraria alguns meses. Não porque voltariam a entendê-lo, pois agora não teria língua nenhuma. Não porque poderia jogar fora a trambolhenta garrafinha. Não porque poderia parar de comer papinha de canudinho.
Chorava pois enfim, após tanto tempo, não iria acordar sobre uma fronha ensopada de baba.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Hahahaha...ai amor,só vc!!
Não imaginei que aquela caimbrã "de mentirinha" fosse virar um conto...
Criatividade a mil!!!
Amo vc!!!
Beijos

8:15 AM  
Anonymous Anonymous said...

hihi...
isso que da ser inexperiente... fica tendo caimbras por ai!!

mas... sensacional o conto.

paz
b.

3:11 PM  

Post a Comment

<< Home