Monday, May 15, 2006

Guerras e Causas

"Tudo começou na madrugada do dia 12 de maio de 2006, uma sexta-feira. Quer dizer, isso para a maioria de nós, que nos protegíamos sob o manto confortável, porém frágil, da ignorância. Devíamos ter visto os sinais. Poucos anos antes um diretor de cinema brasileiro havia feito um filme chamado Cidade de Deus, onde tentava nos alertar para o problema que se formava. Ou que na verdade, hoje está claro, já há muito havia se formado. Era uma questão de tempo, acho que todos nós sabíamos, mas preferíamos não saber. Mas o fato foi que, na madrugada do referido dia, delegacias e policiais foram atacados por um grupo organizado de bandidos. Foram ataques coordenados, com alvos certos, em diferentes partes da cidade. E de repente, havia uma incômoda sensação de que eles estavam mais organizados do que se imaginava. Ou, mais precisamente, que eles haviam revelado ter uma organização que já sabíamos existir. O fim de semana que se seguiu a esta madrugada foi terrível. Houve bombas, tiros, revoltas em penitenciárias... tudo feito com uma organização de dar inveja a qualquer polícia do mundo. E de repente, as manchetes nos jornais eram "Alvos civis são mortos", "estação de metrô é metralhada", "polícia bloqueia ruas"... era a Guerra Civil anunciada. Mas acho que no fundo ainda achávamos que era algo passageiro, as mais de 60 pessoas mortas até aquele momento não nos convenceram da gravidade da situação, achávamos que logo a polícia retomaria o controle, era uma questão de tempo. Na segunda-feira seguinte aos primeiros ataques, a dúvida e a ansiedade começaram a se instalar na população. Já não era possível distinguir boatos de verdade. Falava-se em toque de recolher decretado pelos bandidos. A polícia, obviamente, negava, mas na dúvida, naquela noite, ninguém saiu de casa, ninguém, como na música do Raul. Os nossos governantes não se entendiam. O nosso governador dizia que estava tudo sob controle.
E continuou a defender esta afirmação convicto, até o dia de seu assassinato, naquela fatídica quinta-feira, 18 de maio, quando um bando de mais de 30 encapuzados invadiu o Palácio dos Bandeirantes, assassinou o governador e tomou o lugar como Quartel-General. Foi nesta mesma fatídica quinta-feira, logo após a invasão, que o Presidente decretou estado de calamidade pública em São Paulo, minha cidade, e ordenou ao exército que interviesse. Eu acho que foi só então que a ficha caiu, pelo menos pra mim. A imagem de tanques e mais tanques andando nas apertadas ruas do bairro do Morumbi, em direção ao Palácio ocupado, foi o empurrão que faltava para que eu acreditasse, enfim, que estávamos em guerra. O Massacre dos Bandeirantes, como foi chamada a tentativa de retomar a casa do governador, foi talvez o maior golpe na moral das autoridades brasileiras. Mas, convenhamos, elas não poderiam imaginar que o grupo organizado dos bandidos possuia tantos helicópteros de guerra. Não sobrou um tanque para contar história. As belas mansões daquela região também não resistiram ao choque das explosões e tombaram. As perdas humanas nunca foram corretamente divulgadas, mas falava-se em quase 500 pessoas somente naquele primeiro dia de conflito.
Três semanas após a invasão, as pessoas estavam desesperadas. A cidade estava suspensa, nada funcionava a não ser hospitais, com médicos e enfermeiras no limite da exaustão para dar conta de tantas vítimas de balas perdidas, explosões e atropelamentos. À invasão ao palácio se sucederam invasões aos principais prédios públicos do estado, incluindo todas as delegacias e penitenciárias. E, com os detentos soltos, o exército dos bandidos mais do que triplicou sua capacidade de combate. A visão dos portões de todas as penitenciárias sendo abertas ao mesmo tempo, com todos os presos saindo, foi aterrorizante. Mais aterrorizante ainda foi o fato de todos eles saírem marchando, organizados, como talvez o mais terrível exército já formado. Foi a estocada final na esperança daqueles que governavam o país, do povo que se escondia atrás de barricadas, e do exército derrotado. E foi também a desculpa que os Estados Unidos precisavam para aprovar a invasão junto à ONU, apesar do presidente do Brasil ser contra.
E foi assim que, em 19 de junho de 2006, uma segunda-feira, ocorreu o primeiro bombardeio tático dos Estados Unidos ao Brasil. O Palácio dos Bandeirantes foi completamente destruído. Seguiram-se muitos outros durante toda a noite, e ao amanhecer do dia 20, havia ruínas e corpos espalhados por todo lado, transformando enfim a nossa querida metrópole no cenário perfeito para um filme de guerra. O exército brasileiro foi tomado de um novo ânimo, e todos os reservistas foram convocados para reforçar o contingente aliado.

Parto hoje para o quartel do exército, mais precisamente daqui a 15 minutos, para me apresentar e servir à pátria. Mas a pátria é uma causa perdida. Não sei se consigo defender um governo que deixou a situação chegar aonde chegou. Mas não sei também se havia como evitar esta guerra. São tantos os erros, de governantes e cidadãos que os elegeram, que não dá para culpar um único lado. Somos todos culpados. E estamos pagando por isto.
Estas são minhas prováveis últimas linhas. Vou para o front, na primeira linha de ataque aos que resistem no presídio da Raposo Tavares. Não há chances reais de vitória, a idéia é dar tempo para que o exército americano consiga passar pela rodovia até Piedade. Irônico que darei a minha vida por Piedade...
Mas quero acreditar, e vou acreditando, que a verdadeira causa da minha luta são todos os amigos com quem perdi contato, e para quem hoje eu escrevo pedindo perdão por ter sido tão ausente. Admito que não foi falta de tempo, afinal sempre há tempo para uma hora em algum bar, jogando conversa fora. Foi falta de interesse mesmo, e me arrependo muito por isto.
São também os amigos com quem convivo diariamente. É engraçado, pulamos (saltamos, saltamos) de para-quedas, escalamos montanhas, descemos rios caudalosos, fomos às profundezas deste mar imenso, nos apresentamos para milhares de pessoas, e nunca tive tanto medo como agora, que devo ir até o ponto de ônibus na esquina de casa. Obrigado por tudo, queria ter gargalhado com vocês uma última vez. Queria vocês aqui do meu lado me chamando de medroso e tirando um sarro da minha cara.
São também os amores perdidos, para quem peço desculpas por não ter me esforçado o suficiente para tentar fazer dar certo. Quantas histórias lindas e românticas deixaram de ser escritas por conta desta minha fraqueza? Quantas almas gêmeas eu deixei de encontrar por não ter sido corajoso o suficiente?
São também os amores que deram certo. Para esses, não há arrependimentos, foram vividos com intensidade e alegria, como deve ser, e tudo o que me resta é agradecer por cada segundo. Como diria o grande poetinha, não foram imortais, pois eram chamas, mas com certeza foram infinitos enquanto duraram.
São, também, os que não têm medo de demonstrar o que sentem, os que dizem "Eu te amo" olhando nos olhos, os que amam desmesuradamente, os que se lançam de peito aberto nas mais doidas jornadas.
São, enfim, todos vocês, a real causa da minha luta. E essa é uma causa pela qual vale a pena lutar sempre.

Tomem cuidado nestes tempos difíceis.

Um grande beijo no coração."

5 Comments:

Blogger b.ponto said...

tambem te amo amigao...
e nao se preocupa que estarei ao seu lado; so pra garantir que voce volte sao e salvo de piedade...

... so pra que essa historia nao termine assim, sem rima de poesia.

at ease.

7:04 AM  
Anonymous Anonymous said...

Vc escreve muito bem! Fiquei tão envolvia com a estória (acho que nesse caso chamaria de história)que antes de revelada a data estava até acreditando nos acontecimentos...espero que não cheguemos a esse ponto. Quero todos os meus amigos vivinhos. Mesmo distantes de uns ou mais próximos de outros, amigos são tesouros muito preciosos no meu coração.

7:00 PM  
Anonymous Anonymous said...

Interesting site. Useful information. Bookmarked.
»

10:09 PM  
Anonymous Anonymous said...

Hey what a great site keep up the work its excellent.
»

10:15 PM  
Anonymous Anonymous said...

I'm impressed with your site, very nice graphics!
»

10:43 PM  

Post a Comment

<< Home