Wednesday, June 14, 2006

Tragédia - Ato I

Palco escuro. Cortinas abertas. No centro, uma cadeira.

Entra Coro. Luz sobre o coro.

Coro:
Ó pobre rapaz que não sabe o que o espera! Ó Deuses, como podem ser tão zombeteiros a ponto de usar este pobre coitado como mera diversão para uma tediosa tarde de quinta-feira? Ó, fiel platéia que aqui se apresenta, o que verão neste palco é a mais linda e trágica história de redenção, perdão e renascimento. E ela começa... assim:

Entra rapaz. Está encharcado, da cabeça aos pés. De suas roupas, de seu cabelo, caem gotas e mais gotas. Deixa um rastro molhado por onde passa. Senta-se na cadeira.

Coro:
Ó pobre alma atormentada, pobre rapaz. Porque faz isso consigo mesmo? De onde tira força para tamanho ato estúpido? Lembra-te de tua vida como a conhecia até momentos atrás. Não ouse desafiar os próprios Deuses, ainda que Zeus em pessoa tenha vindo encorajá-lo! Eles estão neste momento empoleirados no Olimpo, refestelando-se de néctar, enquanto estás aqui, sentado, a sofrer com as flechadas daquele divino moleque sem coração.

Rapaz curva-se, esconde o rosto entre as mãos, e começa a chorar.

Coro:
Ó lágrimas sofridas, por que caem com tanto gosto destes olhos que já não mais se fecham? Por caridade limpem este pobre rapaz que está perdido, um mero joguete nas mãos dos Deuses, um mero passatempo que Zeus dedica à sua esposa Hera como forma de pedir perdão por suas traições. Ó como é injusto este mundo governado por divindades tão mesquinhas, capazes de usar um garoto nobre para esconder a própria falta de nobreza, um garoto puro para apagar a própria impureza. Ó divindades de características tão humanas, tenham piedade de todos. Ó Apolo, traz o Sol o quanto antes, para que com seus raios o Astro-Rei possa aquecer este coração tão perfurado por flechas perdidas! Ó malditos aqueles que desafiaram o pequeno garoto alado a acertar o maior número de setas em um único coração! Pois setas divinas jamais erram seu alvo, alvejando o objeto desejado mil vezes!

Rapaz se endireita. Pega algo no bolso.

Coro:
NÃO! Ó pobre rapaz, seja forte! Apolo, por compaixão, já traz o Sol para lhe confortar a alma! A misericordiosa Afrodite já prepara o unguento curador que irá aplacar a dor que carrega em sua alma!

Rapaz se levanta, e respira fundo.

Coro:
NÃO! Ó pobre rapaz, aguente firme! Veja, os primeiros raios se anunciam. Logo tudo não passará de um terrível pesadelo! Por favor jovem, veja quem chega ao longe! É a mais bela das Deusas! Estará livre destas milhares de flechas em alguns instantes!

Rapaz grita.

Coro:
NÃO! Ó pobre rapaz, espere mais um pouco! Deixe pelo menos que esse líquido vil que cobre o seu corpo vá embora com o Sol. Deixe pelo menos que a sábia Atenas, que também já surge em seu socorro, seque de seu corpo esse líquido vil chamado gasolina.

Rapaz acende o isqueiro que estava em sua mão.

Coro:
Não! Ó nobre rapaz, por favor espere mais alguns instantes, a bela Afrodite está perto, menos de dez passos de distância vos separam! NÃO!!!

Blackout no centro do palco. Geral ambar sobre bem devagar. Palco está vazio.

Coro:
Eis que surge o Astro-Rei em toda a sua grandeza. E comandando sua carruagem vem Apolo em busca de alguém que não mais se encontra ali. Chegou tarde, assim como todos os outros. O torturado rapaz, tal como a fênix, transformou-se em cinzas. Ó fiel pláteia que nos assiste, do fundo de nossos corações gostaríamos de dizer que não há mais cinzas neste palco pois, como a fênix, o nobre rapaz ressurgiu, livre, forte, e pronto para mais uma vida de alegrias e esperanças. Mas a verdade é que não há mais cinzas. Todo o resto não passará de divagações.

Blackout no coro.

Fim.